Identidade racial consolidada

Descoberta

Representatividade importa

A pedagoga Evy O. nos disse ainda que a sua transição capilar foi motivadora para outras mulheres, mas que a sua mãe sempre foi a sua inspiração para que se aceitasse como era.

No caso da professora Thaís S. foi uma amiga negra quem a inspirou a deixar a química.

A professora Ana P. acredita que é preciso que todas as mulheres que passam por transição compartilhem as suas experiências para motivar outras a se engajarem nisso.

Cada uma dessas mulheres sabe a importância de ter alguém em quem se inspirar e sabem também que só isso não basta.

É preciso romper muitas barreiras ainda.

É preciso que os meios de comunicação entendam que não pode haver um único padrão de beleza para um país tão diverso. Principalmente, é preciso que a gente aprenda a gerar e a transbordar amor-próprio.

Também é crucial nos sentirmos representadas nos produtos que consumimos.

Quando algo num produto gera identificação, temos a sensação de que fizeram aquilo pensando em nós, lembrando da nossa diversidade.

A professora Ana P. pensa que isso é de fundamental importância:

 

“Não sei se vocês têm ideia da sensação que é chegar numa perfumaria e encontrar lá uma prateleira cheia de produtos que são a sua cara. Alguns chegam a ter embalagens didáticas que nos ajudam a identificar qual é o tipo de textura dos nossos cabelos. Olha, eu não sei vocês, mas quando vejo isso penso “finalmente” e me sinto feliz de uma maneira que nem consigo explicar”.

Não só crespas e cacheadas, mas também pessoas negras, aquelas com deficiência, as pessoas idosas, LGBTs, entre outros merecem ser representadas, pois são essas pessoas que compõe a diversidade do país e que movimentam o mercado de consumo.

Por aí a gente vê o quanto tudo isso é complexo.

A transição é apenas um peixinho num oceano de coisas que exigem reflexão e mudança.

Podemos dizer que nesse sentido estamos indo bem, mas ainda temos muito o que evoluir.

 

Identidade racial consolidada

Descoberta

Identidade racial consolidada

 

Conversamos sobre identidade com a Evy O. Ela que é negra, nascida na Bahia, e extremamente politizada. Ela nos contou que embora tenha usado químicas, nunca teve vergonha de sua cor, nem sua identidade, por mais que tenha passado e ainda passe por diversos episódios de racismo.

Foram outras circunstâncias que a fizeram usar relaxantes e transicionar o cabelo mais de uma vez.

Eu passei por uma primeira transição sem querer, após o falecimento de minha mãe, aos nove anos de idade. A minha tia falou que o meu cabelo estava muito quebrado e tal e então eu cortei no estilo joãozinho como a gente fala lá em Salvador, bem pequeninho mesmo, praticamente raspado. E depois o meu cabelo foi crescendo natural. A gente não tinha dinheiro para colocar química novamente, eu vivia com o cabelo cheio de grampo pra tentar abaixar ao máximo. O meu apelido na escola era capacete por conta do cabelo natural Black Power”.

 

Com a sua história, a Evy nos prova que podem ser vários os motivos para que alguém passe a usar químicas. Além de deixar claro que apesar de os nossos processos serem semelhantes, cada caso tem os seus percalços particulares.

O enfrentamento ao preconceito se torna mais forte quando a pessoa tem consciência de sua identidade étnica.

No caso da pesquisadora e escritora Ana A., por exemplo, já não houve uma educação racial desde a infância.

Ela somente se reconheceu de fato como pessoa negra na vida adulta. Passou por diversos processos de transição sem compreender exatamente o que significavam:

 

“Depois de um tempo alisando os cabelos comecei a me sentir muito mal. Tinha fortes crises de identidade por não me reconhecer. Só na última transição é que pude externar o quanto todos aqueles processos tinham relação com a minha raça, que eu não aceitava quando criança, adolescente e até mesmo depois de me tornar uma mulher adulta. Hoje os meus cabelos, que ficaram bem curtos, já cresceram e estão muito mais bonitos. Tenho orgulho de andar com os meus cachos bem armados, com o cabelo solto ou preso de forma criativa. Não ligo para o que os outros pensam. Para mim o importante é ser quem eu sou. Se as pessoas se incomodarem com isso, o problema não é meu, é delas”.

 

 

A identidade racial não é uma exclusividade dos negros. São diversas etnias e raças que compõem a população e as culturas brasileiras.

Pessoas brancas de cabelos crespos ou cacheados talvez sofram preconceito porque essa característica pode ser entendida como fator de miscigenação.

Porém, é muito importante lembrar que etnias brancas também contam com o crespo e o cacho como características.

Por mais que não sofram com o racismo que as pessoas negras ou não-brancas sofrem, também podem se posicionar neste enfrentamento, em favor da afirmação de sua identidade.

Uma das pessoas com quem conversamos, a estudante de Relações Internacionais Adriana R, nos disse que chegou a sofrer preconceito por parte dos colegas de escola, que a chamavam de “cabelo de esponja”.

Mesmo sendo uma pessoa branca e não sofrendo racismo, essas experiências a marcaram a ponto de serem lembradas hoje como algo negativo que ela vivenciou.

Foi só depois de perceber que a química não fazia sentido nenhum em sua vida, que ela aprendeu a se afirmar como uma cacheada e a valorizar sua beleza.

 

 

Identidade

Descoberta

Quando o assunto é transição capilar o que está em questão é muito mais que o cabelo. Estamos falando em identidade, em estar no mundo de uma forma livre de padrões fixos, de afirmar a existência da diversidade.

Nossa identidade é composta por um conjunto de características particulares que carregamos desde a infância.

Parte dela, já nasce conosco e tem relação com a nossa ancestralidade. A outra parte é social e culturalmente construída. E é nessa outra parte que na maioria das vezes mora o problema.

Porque num mundo globalizado como o nosso as identidades se deslocam com muita frequência entre uma região e outra do mundo. Os veículos mais utilizados para este deslocamento são os meios de comunicação.

Estes meios fixam uma identidade padrão, composta por um tom de pele x, uma cor de olhos tal, uma determinada faixa de idade, um tipo de cabelo.

Com isso, estimulam que as pessoas reproduzam social e culturalmente falando um padrão único.

As pessoas são suscetíveis a essas influências. Para muitas, se adequar ao padrão veiculado pela moda e pelos meios de comunicação pode se tornar um objetivo de vida.

Quando percebem que isso nada diz sobre a sua própria identidade, mas que se trata de algo a que aderiram inconscientemente na busca pela aceitação social, tendem a se frustrar profundamente.

Na maioria dos casos é esse processo de frustração que motiva a transição capilar.

Não é somente uma escolha. Somos bombardeadas por estereótipos que nos induzem a desejar a perfeição o tempo todo.

Da mesma maneira, não é culpa sua ter alisado ou relaxado os cabelos um dia. Muito menos, as pessoas que te cobram esse enquadramento num padrão dominante é a culpada.

Existe toda uma estrutura muito maior, que organiza o mundo de uma determinada forma. Vencer isso é algo difícil, mas não é impossível.

 

 

Podemos começar por nós mesmas. Afirmando a nossa identidade tal como ela é.

Deixando transparecer as nossas raízes, a nossa origem, a nossa forma particular de beleza, o nosso jeito único de ser e estar nesse mundo.

Quando alguém se re-conhece

Descoberta

Quando alguém se re-conhece

 A história da atriz Thammy F. é marcada por muitos percalços, questões familiares, preconceitos, negação da própria identidade.

Depois de passar muitos anos alisando os cabelos, ela resolveu “peitar” o mundo, a família, e quem tentasse convencê-la de que não deveria abandonar tratamentos químicos.

 

Ela nos contou que o seu processo de transição permitiu que se reencontrasse consigo mesma.

 

 

“Eu acredito que quando você assume algo que é seu é libertador, olhar no espelho se torna mais fácil, eu me olho e rapidamente me identifico com a imagem que estou vendo. Quando eu alisava o cabelo eu sabia que aquilo não é meu, não era eu, era um efeito momentâneo, e não combinava em nada com a minha aparência. Eu agora sinto que pertenço a algo, á um povo”.

 

A Thammy também disse que com a transição se sente muito mais realizada e feliz, mesmo depois de ter se frustrado muito com familiares e amigos, claramente preconceituosos com o seu cabelo afro.

Sobretudo, ela soube ressignificar esses momentos negativos, a ponto de nos dizer que todo o seu processo tem valido muito a pena.