Crianças de cabelo cacheado: fatos da infância cacheada e crespa

Não é incomum que crianças de cabelo cacheado ou crespo comecem a utilizar produtos químicos na infância. E essa é uma questão bastante delicada, porque, nesse caso, não estamos falando necessariamente de uma questão de escolha. Entenda mais sobre o assunto e saiba qual o impacto dessa decisão na vida das crianças.

Crianças de cabelo cacheado: pressão social

A decisão de aplicar químicas alisantes em crianças de cabelo crespo ou cacheado pode ser uma forma de defesa contra piadas de coleguinhas da escola ou de outros círculos sociais em que já estão inseridas. Algumas dessas crianças podem querer usar química, justamente por já estarem construindo a sua identidade a partir de um padrão de beleza que é socialmente aceito.

Porém, há casos em que é por vontade dos responsáveis que a química passa a ser utilizada. As justificativas podem ser diversas, e vão desde a necessidade de facilitar os cuidados com o cabelo até a tentativa de evitar que a criança cacheada ou crespa sofra qualquer tipo de preconceito.

Para as mamães e papais de hoje, talvez seja mais fácil ter clareza de que os cabelos crespos e cacheados das suas filhas e filhos não são algo ruim. Ainda assim, precisamos avançar bastante.

A questão é que por muito tempo essas ideias foram reproduzidas, e muitas de nós, cacheadas e crespas, passamos por esse processo de construção de uma identidade que não tinha realmente a ver conosco. Por esse mesmo motivo, tendemos a transmitir esse padrão de normalização para nossas filhas e nossos filhos, para irmãs e irmãos, primas e primos mais novos.

A infância é um período de extrema importância, como qualquer outra etapa que faça parte do desenvolvimento humano. Tanto é que a estruturação da personalidade de uma pessoa irá depender da infância que ela teve.

Se em algum momento a identidade das crianças de cabelo cacheado ou crespo é colocada em xeque, ou passa por alguma modificação, forçada ou não, para que seja aceita pelos demais, essas crianças podem criar traumas que poderão trazer consequências para a sua vida adulta.

Crianças de cabelo cacheado: os malefícios da química para o cabelo infantil

Além da influência na autoestima e na formação de identidade, realizar procedimentos químicos em crianças de cabelo cacheado ou crespo também pode resultar em danos à saúde.

O cabelo infantil é mais frágil do que o cabelo de um adulto, por isso, a aplicação de produtos para alisar ou relaxar os fios não é recomendada. O uso dessas químicas pode prejudicar o cabelo e o couro cabeludo, além de causar sérias reações alérgicas.

Crianças de cabelo cacheado: relatos de quem alisou o cabelo na infância

Conversando com algumas amigas, descobrimos que várias delas começaram a alisar ou fazer relaxamento no cabelo ainda pequenas.

A professora Thaís S. nos contou que surgiu na infância e na adolescência o desejo de fugir de sua verdadeira identidade: “Quando criança e adolescente, odiava meu cabelo, meu quadril largo, meu nariz achatado, enfim, todas as características do meu pai, que é negro. Eu queria parecer com a família branca da minha mãe. Quando alisei meu cabelo, me achei menos feia, mas tinha consciência de que todos sabiam que eu não era ‘naturalmente lisa’. Eu continuava sendo feia e estranha. Era tudo o que eu não queria ser”.

A estudante de Relações Internacionais Adriana R. nos disse que sofria muito na escola por ter os cabelos cacheados. Suas colegas de classe, todas com os cabelos lisos, riam dela sempre e a chamavam de “cabelo de esponja”. Ela vivia com os cabelos presos por sentir muita vergonha.

Já a mestranda em Ciências Sociais e pedagoga Evy O., que chegou a usar química alisante na infância, contou que isso não foi necessariamente uma opção sua. Embora sua mãe sempre tenha ensinado que ela deveria amar todas as características relacionadas à sua etnia, foi pela influência materna que passou pela primeira vez por um relaxamento no início da segunda infância: “Apliquei química nos fios pela primeira vez com 7 anos. Eu queria muito usar os cabelos soltos, e minha mãe dizia que a química era apenas para soltar os cachinhos, só que o procedimento alisou o meu cabelo. Eu fiquei com muita raiva, porque a minha mãe falava que estava feio e que eu não podia usar do jeito que queria, então, após algum tempo, eu fiz permanente”.

Thammy F., que já sofreu preconceitos diversos no ambiente familiar, também começou cedo a aplicar produtos químicos para “amenizar” a estrutura crespa do cabelo. Na pré-adolescência, ela aderiu ao alisamento: “Eu fiz relaxamento no meu cabelo aos 7 anos, mais ou menos. Por volta dos 12 anos, passei a fazer progressiva. O que me motivou a parar foi a famosa crise de identidade”.

A crise de identidade de Thammy veio na fase adulta, assim como para a maioria das pessoas que passam por esse processo. O relato dela e os demais deixam claro que não aceitar o cabelo natural é algo que perpassa diferentes etapas da vida. Mas, pensando pelo lado positivo, ao decidir deixar a química de lado e se assumir, você pode se tornar referência para as crianças de cabelo cacheado e crespo das gerações futuras, que de maneira nenhuma precisam passar pelos mesmos desafios pelos quais nós passamos.

Pense nisso com carinho.